quarta-feira, 23 de abril de 2008

Sozinho

Gay Talese relata que os nova-iorquinos piscam 28 vezes por minuto, 40 estão tensos. E que enxugam por dia 1,74 milhão de litros de cerveja, devoram 1,5 mil toneladas de carne e passam 34 quilômetros de fio dental entre os dentes.

Na TV, o Esporte Espetacular exibe um quadro sobre o desafio de gols olímpicos com o ex-jogador do Flamengo Júnior e o meia Sérvio Petkovic.

Divido minha atenção entre o Fama e Anonimato, de Talese, e o programa da Globo. Não consigo me concentrar em nenhum dos dois. Ainda mais quando o garçom se aproxima.

- Já pediu?

- Não. Traga uma cerveja, por favor.

- Tudo bem.

O bar está quase vazio. Apenas outras duas mesas estão ocupadas.

Nem todo mundo tem disposição para iniciar os trabalhos às 10h30 do domingo de manhã.
Em Campina Grande os bares começam a lotar depois das 11h30. É o horário que termina a maioria dos jogos de pelada.

Dois minutos depois o garçom abre a cerva e coloca numa tulipa de 250 ml.
Tomar cerveja num copo pequeno evita que esquente.

No primeiro gole a conversa de uma mesa quase vizinha chama minha atenção. Deixo de lado o livro e a televisão. O livro nem tanto. Fico disfarçando que estou lendo para ouvir a conversa.
Jornalista é curioso por natureza. As seis pessoas discutiam o futuro político de Lagoa Seca, uma cidade com mais de 24 mil habitantes a apenas sete quilômetros de Campina.

- Lembra da campanha de 2006? Eu fiz a diferença na cidade (em Lagoa Seca) para eleger o governador, disse um cara malhado, com ar de grande articulador político da região.

No fundo achei que ele era um contador de vantagem. E os colegas só o escutavam porque era o dono do carro.

- É "meschmo". E agora vooocê vai apoiar quem?

- Nem sei. Vou esperar alguém ir lá em casa. Eles (os candidatos) sabem que eu consigo voto mesmo.

Fiquei com remorso de ter feito um pré-julgamento. Vai ver que ele era realmente um grande articulador político.

- Na última eleição eu consegui 50 votos, disse.

Não, não eu não tinha errado. Achar que 50 votos foram fundamentais para eleger um governador era história de um contador de vantagem.
Foi a terceira ou quarta vez que bebi sozinho só este ano.
O "só" é porque em mais de 15 anos de cachaça só havia bebido duas vezes sozinho.
Por mais que tivesse com vontade de tomar uma cerveja não ia sozinho. Ficava preocupado com os que as pessoas poderiam pensar.

"Esse cara é muito solitário. Não tem nem amigo para beber com ele".

"Esse cara deve ser viado. Tá bebendo sozinho porque quer dá em cima de alguém".

É aquela história, pior que ser é ter a fama.

Hoje não me preocupo com a opinião dos outros. Quando estou a fim de tomar uma cerva para relaxar e nenhum amigo está disponível vou sozinho.

Não se trata de egoísmo. Também não é aquela história: “eu me basto”. Adoro sentar com amigos para bater um papo e gelar a goela.

Nas primeiras vezes que decidi sentar sozinho para tomar algumas long necks ficava apenas olhando o tempo. Descobri que é legal levar um livro ou uma revista para distrair.

Até agora não conseguiu ler mais que uma página.

Os assuntos das mesas vizinhas chamam mais minha atenção.

Sei, eu sei que isso é coisa de fofoqueiro. Fazer o quê?

A curiosidade é mais forte que eu.

4 comentários:

Anônimo disse...

KKKKKK

Chame os amigos da próxima.
Abs.

DB disse...

"eu me basto" qdo tomo uma gelada sozinho...se alguém conhecido chegar com um papo legal, melhor ainda. Mas é impossível nao prestar atençção no que está rolando ao redor!

Srta. Anacleto disse...

Apesar da vida ser dos outros e parecer besbilhotice, a gente bem que se diverte, num é?!

Anamaria Duarte disse...

Professor Leonardo.... Quanto tempo. Como estão coisas??? Adorei a história!! As pessoas que tem facilidade em escrever, que narram bem os fatos, os tornam muito próximo de quem lê. Eu vi bem de perto todas as cenas que você narrou. Nem sei se lembra de mim... Fui sua aluna na facul e te encontrei aqui, nos blogs da vida!! Abraço!!